sábado, 18 de setembro de 2010

Católicas pelo Direito de Decidir em Defesa da Vida



A Entidade Feminista Católicas pelo Direito de Decidir divulga carta em Defesa da Vida, em resposta ao texto da Conferência dos Bispos do Brasil.

Católicas pelo Direito de Decidir em Defesa da Vida (em resposta ao texto "Apelo a todos os Brasileiros e Brasileiras" sobre como votar nas eleições 2010).


No final de agosto último, a Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, elaborou um texto com o propósito de orientar seus e suas fiéis sobre como votar bem nas próximas eleições. A Presidência e a Comissão Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, por sua vez, divulgaram nota em que afirmam acolher e recomendar a divulgação dessas orientações. Católicas pelo Direito de Decidir, após tomar conhecimento do teor desses documentos, vem a público manifestar seu estranhamento e repúdio às afirmações falaciosas presentes no referido texto, o que de forma nenhuma condiz com o que esperamos de líderes religiosos que deveriam ser exemplo de ética e correção, especialmente ao assumir tarefa que não é própria do âmbito religioso, ou seja, interferir nas eleições, dirigindo-se inclusive a não católicos/as.
Como católicas, estranhamos que Igreja católica no Brasil, que há 30 anos orientou cristãos e cristãs a participarem da política sem assumir posições partidárias, venha agora a público fazer uma campanha tão declaradamente contrária à candidata do atual governo, distorcendo informações e faltando com a verdade. Se não, vejamos:1. Não é verdade que o projeto apresentado pela Comissão Tripartite em 2005 propunha a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez. Cópia fiel do texto do projeto começa com a seguinte frase: "O Congresso Nacional decreta: Art. 1º - É livre a interrupção da gravidez, até a décima segunda semana de gestação, nos termos desta lei." No texto "Apelo a todos os Brasileiros e Brasileiras", portanto, há uma evidente distorção dos fatos, haja vista que existe uma regulamentação explícita no Projeto de Lei 1135/91 (e que é detalhada nos artigos seguintes) que não permitiria a interrupção de gravidez a qualquer momento da gestação. Para mais informações, veja em: Comissão de Seguridade Social e Família - Substituto da relatora ao projeto de lei n.1135, de 1991. 2. Não é verdade que o plano de governo do segundo e atual mandato do Presidente da República, de setembro de 2006, reafirme o compromisso de legalizar o aborto. Reiterada e publicamente o presidente vem afirmando que o aborto é uma questão de saúde pública e deve ser discutido no Congresso Nacional. 3. Ao afirmar a suposta existência de um Imperialismo demográfico que está implantando o controle demográfico mundial como moderna estratégia do capitalismo internacional, o texto da comissão da CNBB utiliza um argumento antigo, falso e inconsistente, sobretudo em tempos em que esse controle significaria uma estratégia obsoleta e desnecessária, pois é sabido que há tempos o Brasil é um país cuja população envelhece mais do que cresce. Além disso, o que ganharia o capitalismo em produzir menos consumidores? E o que o texto ganha, em termos pastorais, ao insinuar uma espécie de teoria da conspiração absolutamente fantasiosa? 4. Perguntamo-nos ainda por que os nossos eminentes Bispos silenciam princípios doutrinais católicos que legitimam o direito de uma mulher optar pelo aborto, como o recurso à própria consciência e a escolha do mal menor? Seria por um autoritarismo misógino? Ou seria por "mero" abuso de poder?
Como católicas comprometidas com a defesa da vida e da dignidade das mulheres, repudiamos a irresponsabilidade de integrantes da hierarquia católica que vêm insistentemente a publico para condenar o aborto - reforçando o estigma e o sofrimento de milhares de pessoas -, mas silenciam em conivência com as múltiplas formas de violência que as mulheres sofrem cotidianamente no Brasil apenas por serem mulheres. Lembramos que casos como os assassinatos de Eliza Samúdio e Mércia Nakashima não são exceção, mas regra corrente em nosso país misógino e machista.Como católicas comprometidas com a justiça social, lamentamos profundamente que a CNBB não faça notas públicas para orientar a população católica a votar em candidatos reconhecidamente favoráveis às lutas sociais, à erradicação da miséria e da violência e à implementação de políticas públicas no Brasil que resolvam a injusta distribuição de renda de nosso país. A Igreja católica na qual fomos formadas foi, em tempos de ditadura militar, no Brasil a voz daqueles que não têm voz, mas hoje cala-se vergonhosamente frente aos problemas mais graves do país, insistindo apenas na condenação dos direitos humanos das mulheres e de pessoas homossexuais, bissexuais, de travestis e transexuais. É sabido, entretanto, que há inúmeros/as católicos/as que, à revelia das posições oficiais da CNBB, continuam dando sua vida em prol daqueles que sofrem discriminações de todo o tipo. Parte significativa de padres, freiras e leigos/as não expressam sua discordância da oficialidade católica, porque temem ser punidos com expulsão das pastorais e das dioceses, imposição do silêncio e até mesmo afastados do serviço sacerdotal. Para nós, no entanto, são essas as pessoas que mantém vivo o espírito do evangelho!A oficialidade católica necessita ouvir essas vozes e trabalhar por uma igreja coerente com os valores cristãos, com menos escândalos sexuais e voltada para aqueles/as que mais sofrem. Não é tarefa da Igreja assumir posições partidárias no processo político eleitoral, muito menos atentar contra a laicidade do Estado.Como Católicas pelo Direito de Decidir, somos favoráveis à democracia, não queremos que o Estado se deixe pressionar por interferências indevidas de setores religiosos fundamentalistas. Defendemos o respeito merecido por todo/a o cidadão/ã brasileiro/a na hora de votar. Como Católicas pelo Direito de Decidir, queremos fazer pública uma das vozes dissonantes dos diversos movimentos católicos que não concordam com o autoritarismo da hierarquia eclesiástica. Manifestamos nossa imparcialidade no processo eleitoral, repudiando o uso político das religiões para alcançar votos, bem como o uso que a oficialidade católica vem fazendo da política para impor questões supostamente doutrinais.
CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIRSão Paulo, 10 de setembro de 2010
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