sábado, 21 de agosto de 2010

A escolha de ser mãe!



Brasil: 46% dos nascimentos não foram desejados

Criada há 50 anos, nos Estados Unidos, a pílula anticoncepcional é um método
contraceptivo largamente utilizado pelas mulheres brasileiras. Porém, apesar
de sua disseminação e da redução das taxas de fecundidade no Brasil, muitas
delas se tornam mães em momentos não planejados. A última Pesquisa Nacional
de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher
(PNDS),
realizada em 2006, mostra que 46% dos nascimentos no Brasil não foram
desejados ou haviam sido planejados para mais tarde.

Financiada pelo Ministério da Saúde, a PNDS foi coordenada pela equipe da
área de População e Sociedade do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap). A pesquisa busca traçar um perfil da população feminina brasileira
em idade fértil e de crianças de até cinco anos e está em sua terceira
edição, tendo sido realizada pela primeira vez em 1986 e repetida no ano de
1996.

Os dados da PNDS-1996 apontavam que o porcentual de nascimentos
não-planejados era de 48%. O tímido avanço de apenas 2% até o ano de 2006
evidencia uma falha na oferta de contraceptivos e orientação por parte do
governo, explica Laura Wong, uma das pesquisadoras da PNDS-2006 e professora
do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Porém, segundo a pesquisadora,
o panorama atual já vem sendo modificado: "A PNDS, como indicado, é de 2006.
De lá para cá, mudanças significativas têm ocorrido na área de atenção à
saúde reprodutiva. Uma das mudanças se relaciona com a ampliação do Programa
Saúde da Família (PSF) que, após 2006, e nos últimos dois anos, vem
ampliando sua cobertura e passou a incluir nos programas de saúde da mulher
a oferta de meios de planejamento da fecundidade. De tal forma, acredito que
esse percentual (de 46%) tenha diminuído".

A ampliação do Programa Saúde da Família e a implementação do módulo de
Planejamento Familiar contribuem, segundo Laura Wong, para a queda da taxa
de fecundidade das mulheres brasileiras. Segundo ela, "um indicativo disso é
a sinalização das estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) com relação à fecundidade de mulheres com menos de 20
anos. Desde 2005, a probabilidade de essas mulheres terem um filho está em
torno de 50-60 por mil. È válido lembrar que, nos anos 2000, este indicador
oscilava em torno de 70-80 por mil", explica.

Outro resultado divulgado pela PNDS-2006 é que a laqueadura (esterilização
feminina) ainda é o recurso contraceptivo mais usado por mulheres
brasileiras. Porém, se forem somados os usos da pílula, dos
anticoncepcionais injetáveis e do Dispositivo Intrauterino (DIU), os métodos
reversíveis já ultrapassam a laqueadura. Em relação aos métodos reversíveis
de contracepção, Laura Wong explica que as mulheres brasileiras têm um
escasso leque de escolhas: "Preservativos e contracepção hormonal oral são
praticamente as únicas alternativas. Os outros métodos, por requererem maior
investimento em informação, recursos monetários e pessoal qualificado, nem
sempre estão disponíveis. Por isso os métodos antes citados, sem ser
necessariamente a primeira escolha dos casais, são os mais usados", afirma.
"A outra dificuldade, mais estrutural, é o acesso aos serviços de saúde. Uma
consulta médica num posto de saúde toma tempo excessivo de uma mulher. Isto
desencoraja a visita ao posto de saúde, colocando em risco não apenas a
saúde reprodutiva, como toda a saúde em geral", completa Wong.

O aumento no uso de contraceptivos também foi apontado pela PNDS-2006, que
indicou que 81% das mulheres de 15 a 49 anos que viviam alguma forma de
união usavam anticoncepcionais. Esse aumento, porém, não contribui para a
redução do número de abortos induzidos no país, como avalia Wong: "Se a
pressão por reduzir o número de filhos aumenta muito mais que a oferta de
planejamento da fecundidade, o número de abortos pode crescer. É provável
que este seja o perfil que mais se acomoda à realidade brasileira",
esclarece a pesquisadora. "Penso que, se tal como sugerem as estatísticas,
não há sinais de arrefecimento do aborto induzido, mesmo que tenha havido
aumento da oferta de contracepção, a pressão por ter menos filhos em nossa
sociedade tem sido ainda maior. Essa é a pergunta que deve ser feita: Por
que aumentou tanto a pressão por ter menos filhos? Que fatores sociais,
econômicos e culturais estão atuando para exercer essa pressão?", completa.

A queda na taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, registrada na
PNDS-2006, é causada por diversos fatores, entre eles questões econômicas e
financeiras. "O maior nível de informação que a sociedade tem, via meios de
comunicação massiva (principalmente televisão) e informações sobre o futuro
incerto (ausência de garantias de emprego, ameaças de instabilidade
econômica etc.) são fortes sinalizadores de que ter um filho, hoje em dia, é
uma temeridade. Esta insegurança, transmitida a uma grande parte da
população independentemente do grau de educação e renda ou lugar de
residência, certamente funciona como um freio à ampliação da família",
afirma a pesquisadora.

Pesquisas como a PNDS auxiliam na formulação de políticas e estratégias de
ação nas áreas de saúde e nutrição de mulheres e crianças. Se 46% dos
nascimentos no Brasil não são desejados ou haviam sido planejados para mais
tarde é sinal de que ainda existem avanços a serem feitos na área da saúde
sexual e reprodutiva da mulher. "Por razões distintas, mulheres têm mais ou
menos filhos do que os que gostariam de ter. Valeria a pena nos
questionarmos se isso não é uma violação aos direitos reprodutivos", indaga
a pesquisadora Laura Wong.

Publicada em: 18/08/2010 às 11:30
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