quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Chile: luta diária pela despenalização do aborto

(Envolverde/O autor)
29/09/2009 - 12h09Chile: Luta diária pela despenalização do aborto
Por Daniela Estrada, da IPS
Santiago, 29/09/2009 – “Nós parimos, nós decidimos”, “Afastam os rosários de nossos ovários”, “Se o papa fosse mulher, o aborto seria lei”. Estes foram alguns dos lemas ouvidos ,ontem na capital chilena por ocasião do Dia pela Despenalizaão do Aborto na América Latina e no Caribe. “Este é um dia de militância e ativismo pela liberdade sexual e reprodutiva das mulheres na América Latina e no Caribe”, disse à IPS Gloria Maira, da Rede Chilena contra a Violência Domestica e Sexual. A Data foi instaurada pelo movimento feminista da região em 1990.Com cantos a cartazes, a Articulação 28 de Setembro do Chile, integrada por quase 40 organizações feministas, realizou ontem uma manifestação no centro da capital do país que proíbe o aborto sem exceções. Atividades semelhantes aconteceram em outros países da região. “Em nível regional, a demanda pelo reconhecimento do aborto como uma experiência da mulher e uma decisão inerente à sua liberdade sexual e reprodutiva é uma luta diária em cada país”, que apresenta avanços e retrocessos, disse Maira. O que se mantém estável na região é, a “inflamada campanha por parte de setores fundamentais da Igreja Católica” para reverter os poucos progressos conseguidos, acrescentou esta ativista.Na América Latina estima-se que sejam realizados mais de quatro milhões de aborto por ano, segundo diversas fontes, e 13% das mortes maternas estão associada a esta prática sem nenhum tipo de segurança. Em matéria de legislações, em um extremo há países como Chile, El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana, onde a interrupção voluntária da gravidez é punida em qualquer circunstância. No outro se encontram Cuba, Porto Rico e o Distrito Federal do México, cuja Assembleia Legislativa aprovou em 2007 a despenalização do aborto durante o primeiro trimestre de gestação por qualquer motivo. Os demais países da região autorizam o aborto somente em casos específicos como risco de vida para a mãe, má-formações do feto ou violação. Em 2006, o Tribunal Constitucional da Colômbia autorizou o aborto nesses três casos.“O problema é que, mesmo que muitas legislações tenham se aberto a estas causas, é muito difícil aplicá-las. Permanentemente as organizações feministas têm de fazer campanhas para que os pedidos de aborto realizados no contexto destas legalidades sejam atendidos, como ocorreu no Brasil este ano”, disse Maira. Ela se referia ao caso de uma menina de 9 anos que foi violentada pro seu padrasto e ficou grávida de gêmeos. Apesar de no Brasil a lei permitir o aborto por razoes de violação ou risco de vida para a mãe, a ofensiva da Igreja Católica foi tal que as organizações defensoras dos direitos humanos tiveram de intervir para que a menina pudesse interromper sua gravidez na 15ª semana.Para Adriana Gómez, da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe, a tendência nos últimos anos é negativa. Além deste caso brasileiro, recordou à IPS que a Nicarágua penalizou totalmente o aborto em 2006 e que no ano passado o esquerdista presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, vetou uma lei que despenalizava a interrupção da gravidez, aprovada pelo parlamento por maioria absoluta de seu partido, a Frente Ampla.Na República Dominicana, este mês foi aprovada uma reforma constitucional que reconhece a vida desde o momento da concepção, e no México pelo menos 15 de seus 32 Estados aprovaram leis contra o aborto. Outro problema regional é a falta de tratamento humano. “Exigimos que as mulheres que chegam aos hospitais com aborto induzidos não sejam punidas, estigmatizadas, que se mantenha a relação confidencial médico-paciente e que recebem cuidados de qualidade”, disse Maira.No Chile, o Ministério da Saúde emitiu este ano uma resolução proibindo os funcionários da saúde de delatar à policia as mulheres que atenderem com complicações derivadas de um aborto. Apesar disso, duas jovens que abortaram em agosto com o medicamento Misoprostol foram denunciadas perante a justiça e tiveram seus nomes divulgados pela imprensa, o que motivou a abertura de processos administrativos.Com resposta à penalização do aborto na região, organizações feministas de três países lançaram um serviço telefônico que dá informações às mulheres que desejarem interromper a gravidez utilizando Misoprostol, receitado para em casos de úlceras gástricas, mas aplicado com êxito como droga abortiva. A iniciativa, que conta com o apoio da organização não-governamental holandesa Mulheres sobre as Ondas, começou em junho de 2008 no Equador, em maio no Chile e em agosto na Argentina. “Não podemos continuar esperando uma dádiva das democracias latino-americanas em termos de garantia de nossos direitos sobre o corpo”, disse Maira.“No Chile, 160 mil mulheres decidem anualmente não prosseguir com a gravidez. Essa experiência, essa realidade, deveria estar legitimada em uma legislação, integrar nossa condição de cidadãs. Mas, cansamos. Já não esperamos por uma lei, e apoiamos a entrega de informação para que as mulheres que queiram abortar o façam de forma segura”, acrescentou Maira. Segundo a ativista, “o debate sobre aborto foi cooptado pelos setores conservadores, que pegaram para si o discurso pró-vida. Todos somos a favor da vida. Na medida em que se abre o debate à cidadania, que haja um debate informado, que as pessoas vejam que as opiniões são diversas, os cidadãos têm de chegar a novos acordos sociais a respeito do tema”, concluiu Maira. IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)

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