quinta-feira, 15 de julho de 2010

Não as obriguem a sofrer


Foto - abc.i-brasil.com

É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de
um feto que nascerá morto ou morrerá instantes depois do parto

Sofrimento. Essa é a palavra que resume o sentimento de mulheres
gestantes de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral).

Além da dor imposta pelo diagnóstico, elas enfrentam uma verdadeira saga
nos tribunais ao terem de negociar sua angústia com promotores e juízes
em busca de conquistar o direito legal para interromper a gravidez.
Infelizmente, no Brasil, a autorização para a antecipação de partos de
fetos anencéfalos é feita caso a caso e envolve crenças e valores dos
juízes.

No último dia 17, mais um tribunal autorizou a interrupção da gestação
de um feto anencéfalo.

Apesar de negada em primeira instância, a decisão da 13ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi unânime. O relator,
desembargador Alberto Henrique, enfatizou que a continuação da gravidez
"tornou-se um sacrifício para a mãe".

Essa liminar funda-se em três preceitos básicos da Constituição Federal
de 1988: o respeito à dignidade humana; o direito à liberdade e à
autodeterminação; e o direito a uma vida saudável.

Estima-se que, no país, 2.000 mulheres grávidas de fetos anencéfalos já
interromperam a gestação por meio de alvarás judiciais.

Na maioria, são mulheres pobres e usuárias dos serviços públicos de
saúde, em que a exigência da autorização judicial é condição para o
procedimento.

Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia apontam que mais de 97% dessas mulheres estão expostas a
riscos de saúde. É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove
meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes após
o parto.

Também é desumano submetê-la a uma gestação de risco.

Nessa situação, é inegável a atitude autoritária do Estado, que força
mulheres a se manterem grávidas contra sua vontade.

Portanto, é fundamental deixar claro que as mulheres não necessitam de
tutela para tomar decisão; elas necessitam de informação e apoio para
fazer suas escolhas.

Nesse processo, é importante que elas sejam vistas como sujeitos de
direito e respeitadas como tal.

Diante desse contexto, urge que o Supremo Tribunal Federal coloque na
pauta de seu pleno a questão. As quatro audiências públicas realizadas
ao longo de 2009, que contaram com a participação de representantes
governamentais, entidades da sociedade civil e especialistas da área
forneceram elementos fundamentais à decisão dos ministros, incluindo
toda sorte de contraditórios.

É preciso que haja uma decisão definitiva sobre o caso para que
gestantes não sejam submetidas a uma verdadeira via-crúcis.

Estudos mostram que a maioria das mulheres grávidas de fetos anencéfalos
prefere antecipar o parto. Pesquisa feita em 2008 pelo Ibope mostra que
72% das mulheres católicas entrevistadas são a favor de que grávidas de
fetos anencéfalos tenham o direito de optar entre interromper a gestação
ou mantê-la.

Uma alteração na legislação vigente não significará a obrigatoriedade da
interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, mas a facultará e
reconhecerá que o direito à não violência é inalienável.

É fundamental, nesses casos, que as mulheres possam decidir se desejam
ou não levar adiante a gestação, e o Estado deve garantir todos os
recursos necessários para dar suporte às suas escolhas.

Por Nilcéa Freire - (57) médica, Ministra da Secretaria de Políticas para as
mulheres.
FOLHA DE SÃO PAULO (SP) * OPINIÃO * 14/7/2010
TENDÊNCIAS/DEBATES

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