sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Filme Hoje defende necessidade de não esquecer crimes da ditadura

CULTURA


Em meio à discussão no Congresso Nacional sobre a criação da Comissão da Verdade, o filme Hoje, de Tata Amaral, defende a necessidade de "não esquecer" os crimes ocorridos durante a ditadura militar do Brasil. O longa-metragem, que chegará às telas no próximo ano, foi exibido nesta quinta (29) no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

A Comissão da Verdade foi aprovada na Câmara no último dia 21 e está no Senado aguardando para ser votada. Grupos que apoiaram a ditadura classificaram como "revanchismo" a iniciativa, proposta no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O filme vai na direção contrária. O longa-metragem lança luz sobre o que se passou nos porões da ditadura para que o país possa debater e cicatrizar as feridas dos passado. Tudo isso sob um ponto de vista intimista e pessoal – no caso, o da protagonista, Vera (Denise Fraga), que procura superar as dolorosas consequências de sua militância, depois de receber uma indenização que lhe permitiu comprar um pequeno apartamento.
Em entrevista, Denise Fraga defendeu a necessidade de se lembrar do passado. Para a atriz, não se deve ficar remoendo o passado, mas também não dá para esquecer as atrocidades da ditadura. “Não dá para simplesmente fechar o baú. Além disso, é necessário ter acesso à história. Não dá para trancar a história, ter um parente desaparecido e não ter direito de saber o que aconteceu com ele.”
Denise Fraga disse que Vera, pela profusão de sentimentos, foi uma das personagens mais complexas que já interpretou. "Talvez seja a mais complexa personagem que eu tenha feito. É um filme cheio de camadas de sentimentos. Vera é uma ex-militante política, que passou por tortura, teve o marido desaparecido e está tentando se refazer. O filme ajuda a gente a ver, rever e pensar sobre as pessoas que passaram por esse período [a ditadura].”
A atriz comentou que, embora não tenha nenhuma vivência pessoal nem familiar deste assunto, trata-se de um tema que a inquieta. “Acho muito difícil digerir essa história da tortura, o fato de ela ser possível, a sofisticação de métodos que atingiu, ela não ter sido penalizada. Queria entender o que se passava na cabeça daquelas pessoas. Como atriz, investigo o humano. E humanamente, não consigo entender”.
O fato de o co-protagonista ser uruguaio, que cria uma estranheza a princípio, também foi considerado positivo pela atriz no sentido de “criar um símbolo de uma união latino-americana dessas histórias terríveis” – já que países como Uruguai, Chile e Argentina viveram também ditaduras militares e processos repressivos recentemente.
O ator uruguaio Cesar Troncoso, de O Banheiro do Papa, conta que em seu país ainda paira a mesma falta de acesso a informações sobre os crimes da ditadura militar.
Na sua opinião, Hoje não estimula a remoer o passado, mas oferece uma oportunidade de "construir um futuro" sem os mesmos erros. "Quando há uma coisa terrível em sua vida, não dá para esquecê-la. Lembrar não significa olhar para trás e sim olhar adiante. Eu tenho uma filha de 13 anos. Quando ela tiver 20 anos, as pessoas podem querer repetir o que já foi feito e ela precisará saber o que não se pode aceitar".
Troncoso deu uma interpretação introspectiva à sua personagem no filme. Recorreu pouco às palavras, mas com uma expressividade que passa o peso do sofrimento de quem foi torturado. "Para mim, a importância das coisas está no olhar, está no silêncio", destacou Troncoso. "O silêncio tem a possibilidade de ser uma coisa muito pesada. Um filme como Hoje, que tem tanta sensibilidade, tem muita coisa que não são ditas, mas estão ali. Não sei se isso vai ser dito no filme, espero que sim. É um filme de olhares.”
A nacionalidade do ator, a princípio rejeitada por Jean-Claude Bernardet, um dos roteiristas de Hoje, terminou fazendo sentido para ele. “Quando soube que o ator seria estrangeiro fiquei um pouco preocupado. Esta história, aliás, só poderia ser brasileira ou até uruguaia, porque em nenhum dos dois países houve uma resolução desse passado da ditadura. Esse passado apodrece dentro dos personagens”, apontou.
Dedicado a Luiz Alves de Souza, o filme incorpora também um componente autobiográfico da diretora, mas sem vinculação política. Trata-se de seu ex-companheiro, pai de sua filha Caru – uma das produtoras do filme -, a quem Tata não teve, por muitos anos, coragem de contar que ele havia se suicidado. Uma dificuldade de enfrentar o próprio passado que marca especialmente o perfil da personagem de Denise na história e permite a oscilação de versões e climas ao longo da narrativa, criando dúvidas sobre o personagem de Luiz.

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